quinta-feira, 31 de maio de 2012

[À Lareira Com] - Ana Terceiro e Paulo Rosa


Amanhã é dia da criança. Assim, e sendo hoje quinta-feira, trago-vos uma conversa à Lareira bastante especial: Ana Terceiro e Paulo Rosa, os pais do Dinis.



São pais do Dinis, um menino especial. Quando e como souberam que o Dinis era diferente dos outros meninos?

Aos 11 meses, numa visita de rotina à médica pediatra a médica pediatra ela estranhou a discrepância entre o tamanho da cabeça comparativamente com o peso e estatura. Nessa altura pediu-nos a realização de uma ecografia à cabeça. Mais trade para confirmar as desconfianças do resultado da ecografia transfontanelar, o Dinis realizou uma RMN e TAC (sob anestesia geral) exames esses feitos a 4 dias do Dinis completar um ano que nos deram a confirmação – O Dinis tinha largas e exuberantes calcificações cerebrais, com maior incidência no lado direito do cérebro e junto ao globo ocular dto.:
«Descrevemos um quadro lesional muito exuberante, algo que eu nunca vi nestas proporções. O seu filho tem largas e extensas lesões e calcificações cerebrais em quase todas as zonas do cérebro, mais predominantes do lado direito»

Qual foi a vossa reacção quando souberam o diagnóstico do Dinis?

Quando recebemos uma notícia que tememos e nos apercebemos que não vai de encontro com o que esperamos, temos duas opções: ou nos entregamos a um estranho e, de certo modo, aliviante desespero e choramos, ou nos entregamos à adrenalina do momento, deixando o sangue fluir e dando por nós a reagir de forma fria e sem grandes cálculos emocionais (pelo menos, naquele momento): Nós optámos por reagir e a adrenalina indicou-nos o melhor caminho para pensar e refletir em função do que seria melhor para o nosso filho, que iria precisar de nós mais do que nunca.

Como é viver com uma criança especial?

Por vezes questionamo-nos sobre as motivações que levaram Deus, que se diz ser amor, o porquê de colocar crianças deficientes no mundo para que sofram e nos façam sofrer.
Mas, facilmente percebemos as Suas motivações e apaixonamo-nos por estas crianças, damos por nós a olharmos a vida “com outros olhos”, com olhos de ver, de quem ama e sente que é amado, pois, doutra forma não conseguiríamos alcançar o que eles têm para nos dar, e que é infinitamente delicioso.
Com eles acabaram-se os preconceitos, acabaram-se as vergonhas ou aqueles olhares inseguros, passamos a viver descontraidamente sem receios de saborearmos os mais pequenos detalhes, sem nos importarmos com o que os outros vão pensar disto ou daquilo.
Tornamo-nos autónomos e passamos a decidir o nosso destino fundamentado nas nossas experiências e partilhas com outros pais, também eles especiais, que vamos conhecendo ao longo dos nossos dias – anjos em forma de gente que sabem falar a nossa língua na primeira pessoa.
É uma aprendizagem diária, apoiada no Amor e na fé.
Mas nem sempre é fácil, porque infelizmente o nosso pais não está preparado nem com leis, nem com equipamentos nem com estruturas que nos permitam viver em plenitude as “coisas” inerentes a uma criança especial, e muito honestamente, esta é a parte pior em se ser pai de alguém especial!

De que modo a doença do Dinis mudou a vossa vida, enquanto pessoas e enquanto casal?

Diariamente aprendemos com ele a dar mais valor às pequenas significâncias. Damos mais valor ao tempo, aprendemos o verdadeiro significado de várias palavras, tais como: dor, batalha, sofrer, mas aprendemos sobretudo que a expressão “não consigo” não passa de uma mera ilusão que a nossa mente nos mostra para nos desencorajar a tentar. Uma simples fila, uma pequena dor, um pequeníssimo problema toma proporções gigantes, quando afinal de contas, são apenas “montinhos” longe de serem “montanhas” e, na maioria das vezes, a solução está ali ao nosso alcance, apenas é preciso não baixar os braços. Aprendemos que, mesmo o pior dos nossos dias, em nada se assemelha, nem de longe é tão complicado quanto o dia a dia do nosso filho, e ainda assim, ele lida com isso com uma supremacia invulgar digna de rei de palmo e meio.
O Dom do nosso filho tornou-nos pessoas melhores, maiores, com o coração cheio de vontade de amar, e hoje percebemos a diferença entre estar-se vivo e viver!
Olhamos com orgulho todos os momentos em que ele se desafia ao tentar pôr-se de pé após cada queda, em que tenta não tremer para alcançar o seu brinquedo preferido que está na prateleira, quando contraria o balançar do seu corpo instável, desejando que este permaneça firme quando quer dançar, ou simplesmente comer, quando nos diz que consegue fazer “xoxinho”, mesmo que isso signifique que a maioria da sua comida cai do seu prato ou, quando caminhar mais depressa na sua maneira “desengonçada” o faça cair. Contudo, esta forma irregular como vê e sente e interage com o mundo torna-o ainda belo, mais gracioso e intrigante e, sobretudo, alguém que devemos seguir. Todas as suas dificuldades não o impedem de ter força suficiente para nos ensinar, a cada manhã que se levanta, que cada dia conta e que devemos fazer de cada um deles uma festa, um arraial, um festival, e agradecer a Deus pela Sua escolha, porque o dia que passa é o presente e é esse que conta e deve ser vivido com a maior intensidade e tenacidade possível.
E esta é, sem dúvida, a grande lição, a magia que existe no ser-se pai de alguém que nasceu para triunfar e nos fazer acreditar que a vida, por mais voltas que dê, tem um propósito bem maior do que aquele que julgávamos ter.

O Dinis tem um irmão, o Gonçalo. Como foi que ele reagiu e reage ao facto do irmão ter uma doença rara?

O Gonçalo recebeu a noticia ao mesmo tempo que os restantes membros da família. Quisemos que ele fosse colocado ocorrente e sem tabus da situação do irmão. Ele reagiu bem, apesar de não ter relacionado a gravidade da doença, tentando passar por cima do assunto achando que tudo iria dar certo, o que é natural para uma criança. Acabou por se revelar também ele um herói e desde sempre interage com o irmão, tenta ser o seu companheiro e fiel amigo… e estas são algumas das suas palavras:
"A doença do meu irmão não veio afetar a minha vida: brinco com ele, faço o que for por ele e, para mim, o meu irmão, além de especial, é uma criança como todas as outras, apesar de muitos pensarem o contrário.
Foi uma grande honra ter sido escolhido para ser o padrinho do meu irmão, e estou consciente das acrescidas responsabilidade em sê-lo, mas é algo que me entusiasma, pois eu preciso dele e ele de mim.
O meu irmão tem várias virtudes mas a que eu mais admiro é a sua grandiosa capacidade de sorrir e de fazer sorrir.
A sua coragem, embora ainda sendo uma criança, a sua forma de sorrir após cada tratamento, a força que transmite a cada dia que se levanta, apesar das dificuldades que insistem em não o largar, a irreverência e a personalidade dele, sempre tão atrevida, deixam-nos a certeza que Deus escreve direito por linhas tortas."

Quais as principais dificuldades sentidas quando se tem um familiar, neste caso um filho, com uma doença rara, quase desconhecida?

As principais dificuldades é o desconhecimento a nível nacional e a nível mundial, a ausência de motores de busca, literatura, médicos e equipamentos necessários, leis que defendam os familiares no acompanhamento à doença, uma série de politiquices que não se adequam à vida prática de quem de desdobra em 3 para obter cuidados sem perder os empregos e ainda assim dar uma continuidade digna aos restantes prismas de uma vida que não para em função de um filho especial.

A Ana diz que “um dos meus sonhos, era escrever um livro, sempre achei que seria um projeto inalcançável, coisa de gente importante, com conteúdos, pensava eu: diferente”. Como surgiu a oportunidade de escrever este livro, “O Dom do Dinis”?

A oportunidade surge no momento em que uma grande amiga e também ela mãe de alguém especial, a Sandra Morato (Mãe da Sara com Trissomia 21, autora do livro Sara, a Luz! da Prime Books), me incentiva a enviar a nossa história para a Alphabetum pois eles estavam a anunciar o apoio e divulgação de novos talentos. Ainda hesitamos porque as nossas vidas têm um ritmo muito acelerado e pensámos que seria um projeto que não coincidia com os nossos timing’s sempre muito imprevisíveis dada a natureza da doença e a existência de mais um filho para além do Dinis. Dias depois a malandra da Sandra, envia a nossa história para a Alphabetum que acabou por nos contactar demonstrando interesse.

Acham que este livro vai ajudar a abrir algumas mentes no que diz respeito a meninos especiais?

Sem dúvidas, o respeito e a interacção e a própria inclusão que o livro relata é prova que as nossas crianças podem vir a constituir um país melhor. Se formos educados vocacionados e próximos de outras crianças diferentes, sendo-lhes explicado que a diferença não passa disso mesmo, as mentalidades futuras serão muitíssimo melhores e mais bem preparadas para todos os processos que envolvam aceitar e respeita o próximo!
Eis um pequeno relato de uma grande amiga minha que vive diariamente confrontada com atrocidades vindas de adultos e de outras crianças que não estando familiarizadas com a diferença:
"Fomos a fnac e por uns momentos sentei o Gaspar perto de outros meninos, numa mesinha a fazer legos. Qual foi o meu espanto: Duas miúdas 6 e 9 anos, incomodadas pelo facto do meu filho querer dar lhes a bolinha que ele sempre tem na mãozinha.. Olharam para ele com um desprezo... Principalmente quando o meu filho expressava sons de alegria e entusiasmo.. Ele não fala bem como os outros meninos.. Por isso, naquele momento incomodou as meninas.. Fiquei desolada. E com "animação ã mistura" tirei o Gaspar de perto delas... É apenas uma amostra... E eu sei que não vou poder estar sempre nesses momentos... Mas enquanto puder…. Beijinhos para vocês, meus doces! Tudo de bom!""

Ana, foi o realizar de um sonho?

Não sei…. Os sonhos são algo que vejo com grande respeito…. Escrever um livro, afinal não estava assim tão fora do alcance, e não está fora do alcance de todos! Talvez tenha sido algo pelo qual eu nunca tivesse lutado antes…. Existem coisas, que podemos chamar de sonhos, que nós também julgávamos inalcançáveis e que após luta e determinação, fé e muito empenho, acabamos por alcançar…. O meu único “sonho” é ver o meu filho bem, saber que a minha família tem saúde, que não nos falta trabalho e que reine o amor nos nossos corações. Pode parecer utópico, mas o meu grande “sonho” é isso mesmo – saúde e paz para todos!

Quais os vossos desejos para o vosso futuro e o do Dinis?

Que seja encontrada a mutação genética para a parte neurológica da doença do Dinis. A parte da doença oftalmológica foi recentemente descoberta em Manchester por um investigador  (DR. Yanick Crow) que foi encontrado e contactado por nós pais…. Também era um sonho e também nos disseram que não seria alcançável e nós após largas horas de muitos contactos, também o alcançamos, não só a ele mas também a uma segunda médica sediada na Filandia (Dra. Tarja Linnankivi) que está a prosseguir com a restante investigação…. Também ela um “sonho”
Que após estas descobertas, seja possível criar um fármaco ou tratamento que possa colocar um fim à evolução e à proliferação da doença pelo restante organismo…porque… já lá vão três anos de luta, 28 anestesias gerais, (20 das quais para cirurgias oftalmológicas, 3 das quais em Barcelona) e… a esperança, a luta e a perseverança… a luta pelos nossos “sonhos” continua!

Para terminar, há algo que queiram dizer aos nossos leitores?

Ser pai especial é sinónimo de que reajustamos e reavaliamos tudo o que nos rodeia e passamos a dar importância e a valorizar aspetos que dantes nos passavam completamente ao lado – não que fôssemos egoístas, mas porque nos faltava viver sob determinados valores.
«Desde o nascimento do Dinis, muita coisa aconteceu, principalmente porque nos conduziu a uma mudança em termos de valorização existencial, e desde então, sentimos cada vez mais a necessidade de mudar em função de encontrar os valores das coisas que realmente importam e que por vezes nos passavam despercebidas: «…aborrece-nos profundamente perceber que a “maioria das pessoas não debate conteúdos, apenas os rótulos”…».


O Dinis: 
 
Hoje com 4 anos, o seu quotidiano conta, para além de muita diversão, com:
Ensino especial 2 vezes por semana e fisioterapia 3 vezes por semana (desde os 15 meses) –
Hipoterapia 1 vez por semana - Centro de Hipismo da Lezíria Grande em Vila Franca de Xira;
Usa óculos desde Setembro (embora sem capacidade visual no olho direito contribuirá para a correta conservação dos 25% que ainda mantém no olho esquerdo);
Utiliza umas Dafos por um período de dois anos em ambos os pés. As Dafos são umas próteses que servem de correção dos pés prunados e postura de forma a evitar uma cirurgia com múltiplas consequências (as pernas do Dinis actualmente estão em “X”): http://www.dafo.com/library/before-after-high-tone-pronationdafo-4/
Mas com a Graças a Deus, as coisas estão encaminhadas… fisioterapia, hipoterapia, Dafos, óculos desde Setembro…. Uma vida repleta de terapias, cirurgias, mas que nos têm trazido boas novas nomeadamente a descoberta do gene por parte da equipa de investigação de Manchester…. Quem sabe agora não se consegue desenvolver algum fármaco ou tratamento que evite a proliferação da doença contribuindo para uma maior taxa em termos de duração e qualidade de vida… Apesar da sua doença continuar a representar uma constante ameaça, apesar de não estar a salvo da cegueira total, apesar da doença base não estar inativa e de não sabermos inclusivamente o seu tempo de vida e que repercussões a doença tomará, acreditamos que Deus não comete erros e que saberá melhor do que ninguém o que faz e com que propósito - temos esperança e fé!

1 comentário:

  1. Aqui esta uma conversa que enche o coração, só com pessoas assim o mundo muda, teimosas, positivas persistentes, em que escolheram encarar o que para alguns pessoas seria o mais terrivel e sentiriam compaixão por elas mesmas. Mas em vez disso escolheram olha o futuro de frente com "esperança e fé"

    um grande beijinho e obrigada por serem assim :)

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