domingo, 8 de setembro de 2013

[À Lareira com] - Maria Luís Castro


À Lareira com...Maria Luís Castro, autora de "O Mundo proibido de Daniel V." e "Os teus desejos são ordens".

- Fale-nos um pouco sobre si.
Gosto de escrever. Gosto, sobretudo, de pessoas. O mais importante para mim, é saber que depois da meia idade, já passei a esquina dos cinquenta anos, é possível fazer coisas, estar na vida com entusiasmo. Durante muitos anos escrevi nos jornais, fiz rádio, televisão e até trabalhei numa agência de notícias. Dou aulas e tenho uma vida de família muito intensa. Todos os livros que escrevi anteriormente não se assemelham a esta experiência que considero um dos maiores desafios que vivi.

- Quando é que começou a sentir a paixão pela escrita?
A paixão pela escrita começou cedo, na redacção dos jornais, com jornalistas da velha guarda que me diziam que eu não podia deixar de ler A ou B. Comecei cedo, tinha vinte anos. Em casa dos meus pais não existiam muitos livros. Nunca houve esse hábito. Portanto, a paixão pela leitura começou cedo e a escrita começou por ser um namoro jornalístico. Durante muito tempo o registo jornalístico acompanhou-me e até pensei que seria difícil sair dele. Lentamente, com o exercício, com a teimosia, fui criando outras formas de escrita e, hoje, é-me impensável não escrever todos os dias. 

 - Numa palavra, o que a escrita significa para si?
Vida. Escrever é estar na vida e observar o mundo. Sou uma pessoa com um interesse muito grande pela sociologia, pela caminhada que a Humanidade fez, sobre os fenómenos que mostram o melhor e o pior do ser o humano. Quando uma história nasce, um livro, é sempre sobre vida.

- Porque decidiu ser jornalista?
Foi um acaso. O meu pai conhecia uma pessoa na redacção do jornal, precisavam de pessoas para rever textos e foi assim que tudo começou, portanto podemos dizer que antes de ser jornalista, fui copy desk, ou seja, revisora.

- Publicou, o ano passado, O Mundo Proibido de Daniel V., e este ano Os Teus desejos são ordens. Como surgiu a ideia/oportunidade de escrever livros eróticos/sensuais?
A editora lançou-me um desafio depois de um almoço entre amigas. A conversa girava à volta dos homens e das fantasias não cumpridas – ou por cumprir – das mulheres. Falámos, durante esse almoço, dos clichés que existem, da mentalidade curta, das ideias feitas e de como a literatura erótica sempre foi uma constante, embora “escondida”. Um clássico da literatura erótica é a “História de O”, por exemplo, de uma autora francesa, Anne Desclos, publicado em 1954. Li-o muito nova, voltei a ler agora e posso assegurar que é muito mais hard core do que estamos a ver agora no mercado. Em resumo, o erotismo sempre foi um tema da escrita – como tantos outros temas – e pode ser feito com bom ou mau gosto. O desafio era escrever uma história contemporânea que não se limitasse à descrição de potenciais encontros de índole sexual, mas cujo enredo levantasse questões, estivesse dentro dos tempos de hoje. Achei graça e pensei: e porque não?

- É um género que encontramos pouco escrito por autores portugueses. Porque acha que isso acontece?
Não é fácil escrever sobre sexo e muito menos assumir que o fazemos de forma explícita. Não é, se se quiser, literatura, é divertimento com uma pitada de ousadia? Pode ser o que entenderem, é-me indiferente, desde que cumpra o objectivo: agradar o/a leitor/a. Os grandes escritores portugueses têm cenas de sexo nos seus livros e podia enumerar vários exemplos, mas é melhor dizer aos leitores para procurarem os autores nacionais e deixarem-se surpreender, não é?

 - No último ano deu-se um grande boom de romances eróticos, especialmente de autores internacionais. Já leu algum? O que acha do género enquanto leitora e mulher?
Li as Sombras de Grey, por curiosidade, li os três volumes e posso dizer duas coisas: como leitora gostei de algumas passagens e detestei algumas que eram apenas a repetição do que já tinha sido escrito. É uma narrativa preguiçosa, num certo sentido. Acresce que acho improvável algumas das situações relatadas, embora admita que em ficção tudo é possível, basta ter imaginação. Não li mais nada, até agora, até por ter estado embrenhada em escrever estes dois volumes, procurando um fio condutor que permitisse explorar outros assuntos, actuais, assuntos que precisam de reflexão. 

 - Tem recebido, certamente, algumas críticas aos seus livros. O que isso significa para si e de que modo ajuda ao seu desenvolvimento como escritora?
A maioria das críticas surge de forma anónima, por email para a editora. São laudatórias e eu fico feliz por ter conseguido proporcionar um bom momento de leitura a alguém. O melhor email que recebi dizia que o livro, em vez de uma história banal de amor-ódio e sexo, fez com que a leitora ficasse mais atenta a determinadas questões relacionadas com a escravatura das mulheres e, ao mesmo tempo, tinha apimentado a vida sexual com o marido. 

- A personagem principal, Verónica, é jornalista. Até que ponto esta personagem tem alguma parte de si, M.L.Castro?
Não sou parecida com a Verónica e tenho pena, não tenho aquela idade, aquela figura e não teria a coragem que ela demonstra ter ao enfrentar uma rede de máfia. Mas é evidente que a minha experiência como jornalista me permitiu relatar e descrever ambientes e formas de pesquisa que são do meio.

- Porquê escrever sob um pseudónimo?
Por não ter vinte anos, tenho uma família, um neto que nasceu há pouco e não me apetece ter conversas desagradáveis com ninguém ou ser julgada por ter aceite este desafio. As pessoas gostam dos livros, lêem, mas até são capazes de o esconder, apenas por preconceito, para dizerem que estão a ler, sei lá, os Maias revistos por uma série de autores, colecção que está a sair no jornal Expresso e cujo conceito me ultrapassa largamente. Há um certo pudor. As mulheres – e os homens, já que tenho homens-leitores – não deixam de ler, contudo preferem manter o recato, afinal sempre é um livro onde se diz que um pénis entrou numa vagina e os portugueses são muito pouco abertos a falar sobre a sexualidade. Não deixam de ter interesse por causa disso e também não deixam de comprar e ler.

 - Tem algum novo projecto em mãos? Teremos mais aventuras da Verónica para acompanhar?
Nunca se sabe. Há um ditado que diz que o futuro a Deus pertence e eu não sou uma mulher que goste de fazer planos. Gosto de ser surpreendida na vida e nos desafios que ela me traz.

 - Para terminar, deixe uma mensagem aos leitores do Tertúlias à Lareira, muitos deles mulheres que se apaixonaram por este género de leitura.
Espero que continuem a ler e que possam partilhar o vosso interesse com outras pessoas. Pessoalmente, agradeço a imensa generosidade e o facto de se comprarem os meus livros, de os lerem e acarinharem. A maioria das pessoas não tem ideia do trabalho que dá escrever um livro e, muito menos, uma sequela. Esse reconhecimento é gratificante e eu estou muito contente por ter chegado a tanta gente.
 Obrigada

2 comentários:

  1. A entrevista está muito boa, Ni! Parabéns :)
    Nunca li nada da autora, mas quem sabe um dia destes!

    Beijinho *

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    1. Obrigada querida. Por acaso deu-me imenso gozo escrevê-la :)
      Também nunca li nada, uma amiga minha está a ler, vamos lá ver o que ela acha:)

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