quinta-feira, 3 de julho de 2014

[Opinião] - "As Gémeas" de Saskia Sarginson



"Claro que dói passar fome. Mas podemos usar essas dores agudas como uma faca para cortarmos as coisas más dentro de nós. Acabamos por ansiar por essa sensação. Porque a fome é uma amiga. Com ela conseguimos chegar mais depressa aos nossos ossos do que imaginaríamos. Sinto-os debaixo dos dedos, logo abaixo da pele, cada dia mais perto: lisos, perfeitos e rijos. É isso que toda a gente diz dos ossos, não é? Que são puros. Limpos. Eu sigo o contorno dos meus e têm uma forma: o meu esqueleto." 





Quando vi a capa deste livro e li a sua sinopse fiquei cheia de vontade de o ler. Tanto que assim que o tive nas minhas mãos se tornou a minha leitura de cabeceira.

Em "As Gémeas" ficamos a conhecer Isolte e Viola, duas gémeas cuja vida separou, levando-as por rumos e caminhos sinuosos. Inseparáveis na infância algo de tenebroso as fez separarem-se e a verdade começa a surgir passado demasiados anos.

Um livro que tinha todos os ingredientes para dar certo: uma escrita cativante, um enredo misterioso e que poderia captar o leitor, culminando num desfecho surpreendente. No entanto não me cativou, tornou-se, aliás, uma leitura lenta e desinteressante. 

Admito que não sou fã de leituras que contenham analepses, e este livro é sobretudo composto pelas mesmas. Acima de tudo, neste livro, Saskia não faz qualquer menção temporal o que torna confusa a leitura aquando os flashbacks. Para além das analepses também o narrador vai alternando entre Isolte e Viola, o que faz com que estejamos constantemente a parar para conseguir contextualizar tanto temporalmente como a nível da personagem que está a narrar naquele momento.

Esta leitura teve,no entanto, pontos fortes e os quais apreciei bastante. A autora consegue fazer-nos reviver de forma bastante vivida a infância das gémeas. Leva-nos ao mundo hippie dos anos 70, o que é bastante interessante, não sendo uma época muito retratada nas minhas leituras, pelo que sendo eu uma apaixonada por uma boa contextualização de época fiquei fascinada.

Outro ponto forte é todo o contexto de vida actual de Viola. Esta sofre de um distúrbio alimentar sendo que se encontra diversas vezes internada, tendo diversas sequelas psicológicas, físicas e sociais consequência desse mesmo distúrbio. A autora consegue fazer-nos sentir a angustia de Viola e, até mesmo, dos que a rodeiam e sofrem com a sua condição. Escusado será dizer que tudo o que envolva aspectos psicológicos, e em especial quando estes são bem apresentados, eu adoro e leio avidamente.

O desfecho, ou seja, o clímax do mistério é deixado em aberto, não sendo assim resolvido. Eu pessoalmente não aprecio, sendo que esperava algo surpreendente, o que não aconteceu. No entanto sei que o facto de deixar à imaginação do leitor o que poderá ter acontecido poderá fascinar leitores mais imaginativas e/ou astutos. É interessante pois, no final do livro, é-nos apresentada uma entrevista com a autora onde esta explica as razões para ter escolhido fazer o final do livro deste modo.

Concluindo, um livro com alguns pontos bastante fortes, que será uma boa leitura para os mais variados leitores mas que a mim não conseguiu convencer. A problemática psicológica dá uma solidez interessante ao conteúdo do enredo tendo sido, talvez, o meu aspecto preferido do livro. As analepses tão ambíguas e o "saltar" de personagem para personagem tornou a leitura difícil, confusa e cansativa.

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